Por Rodrigo Caetano
Quando o brasileiro Hugo Barra, diretor de produtos do Google, subiu ao palco para fazer a abertura do Google I/O, evento voltado a desenvolvedores de software realizado na quarta-feira 27, em São Francisco, nos EUA, os olhos de todos estavam voltados para um pequeno totem ao seu lado. A expectativa era de que ali, coberto por um pano branco, deveria estar o primeiro tablet desenvolvido pela empresa de Larry Page. O aparelho, de fato, estava lá. Batizado de Nexus 7, ele provocou um rebuliço no mercado. Nem tanto pelas inovações tecnológicas, que foram poucas, e muito mais pelo preço: módicos US$ 199, menos da metade do modelo mais barato do iPad, da Apple, a líder absoluta do setor.
Amarrado: com o formato de uma bola, o tocador Nexus Q
é uma das apostas do Google para tornar o consumidor fiel.
é uma das apostas do Google para tornar o consumidor fiel.
Não era essa, no entanto, a principal surpresa escondida sob o pano branco. Havia mais. O que ninguém suspeitava é que o Google planejara o lançamento de um pequeno dispositivo em formato de bola chamado de Nexus Q. Trata-se de seu primeiro equipamento eletrônico de consumo. O produto pode ser descrito como um tocador multimídia capaz de transmitir para um aparelho de televisão vídeos, fotos e músicas armazenadas em tablets, celulares ou na internet. “A ideia é melhorar a experiência de uso dos nossos serviços na nuvem”, afirmou Barra. Na verdade, o objetivo da empresa é muito maior. O que o Google quer é ser o principal provedor de entretenimento e informação digital, nem que, para isso, tenha de estender seus tentáculos para atividades que em nada se assemelham ao negócio original da companhia.
O buscador mais utilizado do mundo não está sozinho nessa empreitada. Empresas como a Microsoft, Amazon e Apple possuem o mesmo objetivo. Elas também estão se aventurando para longe de suas zonas de conforto, lançando produtos que, em alguns casos, concorrem com seus próprios parceiros. Foi a Apple quem deu o pontapé inicial nesse movimento há dez anos, quando lançou seu tocador de músicas iPod. Depois dele, a empresa ainda lançaria um smartphone, o iPhone e um tablet, o iPad. Em 2007 foi a vez da Amazon, a gigante do comércio eletrônico, apresentar seu primeiro hardware, o Kindle, um leitor de livros digitais. No ano passado, a varejista colocou no mercado o tablet Kindle Fire.
Há duas semanas, quem pegou todos de surpresa foi a Microsoft, que decidiu bater de frente com os fabricantes de computadores, parceiros históricos da companhia, e lançou o seu próprio tablet, o Surface. O que a estratégia dessas companhias, todas líderes de mercado em seus segmentos de origem, têm em comum é o desejo de conquistar a fidelidade do consumidor na área na qual ele dedica boa parte de seu dia: a de entretenimento. Não se trata apenas de vender um equipamento eletrônico ou um computador. O objetivo é fazer com que as pessoas comprem músicas, aluguem filmes, compartilhem suas fotos e produzam seus textos exclusivamente por meio das suas redes e serviços. “O que está acontecendo nesse mercado é uma ‘batalha de ecossistemas’”, afirma Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getulio Vargas.
O Tablet do Google: o brasileiro Hugo Barra, diretor de produtos da empresa, apresenta o Nexus 7, na quarta-feira 27.
“Ganha quem oferecer a maneira mais robusta para o cliente se manter conectado.” Isso significa ter um dispositivo para cada momento do cotidiano dos consumidores. “O uso do computador está mais restrito ao horário de trabalho. No caso do smartphone, isso é mais distribuído ao longo do dia”, diz Coutinho. “O tablet ocupa um período entre o computador e o smartphone, que é justamente quando a pessoa está em casa para relaxar.” Em outras palavras, o que Microsoft, Google, Apple e Amazon querem é criar amarras digitais para manter os clientes dentro de seus jardins murados, oferecendo a eles múltiplas possibilidades de comprar e compartilhar conteúdos diversos. O problema é que, apesar das inúmeras apostas das companhias, ainda não está claro como conquistar a fidelidade do consumidor.
Segundo Daniel Domeneghtti, sócio da consultoria de tecnologia E-Consulting, o que está por trás desse movimento de diversificação é uma incapacidade generalizada de definir um foco estratégico. “Hoje, se uma empresa decide que seu negócio é vender música, ela passa a oferecer não só a música, mas também o aparelho para ouvi-la”, afirma. “Elas acabam ‘espichando’ seus negócios de acordo com a capacidade de investimento.” A rapidez com que o Google desenvolveu seu tablet recém-lançado dá uma ideia do tamanho desse esforço para amarrar o cliente. Isso fica claro com a declaração de Jonney Shih, chairman da fabricante taiwanesa de computadores Asus, parceira do Google na fabricação do tablet, de que o prazo para desenvolver o produto foi de apenas quatro meses.
“Nossos engenheiros disseram que foi como uma tortura”, afirmou Shih, em entrevista ao Wall Street Journal, logo após o lançamento. “Eles demandam demais.” A pressa é justificada. Alguns especialistas acreditam que a tendência é que apenas uma empresa, ou “ecossistema”, deva dominar 70% ou 80% do setor. Outra questão que está em jogo é o “fechamento” da internet em torno de poucos provedores de conteúdo. “Isso é algo que vai contra os princípios iniciais da internet”, afirma Coutinho. “Mas nenhum desses princípios foram escritos em pedra. No final, tudo segue a lógica do mercado.” Então o leitor não deve se assustar se, daqui a algum tempo, perceber que uma única empresa – ou quem sabe duas, no máximo três – é a responsável por concentrar todas as informações que fazem parte de sua vida digital.
Fonte: Istoé Dinheiro