“Se o professor não é leitor, não consegue transmitir o prazer pela leitura”
Os professores são os principais influenciadores nos hábitos de leitura dos brasileiros. Mas há indícios de que, no seu tempo livre, eles raramente abrem um livro, assim como a maioria dos brasileiros. O dado está no livro Retratos da Leitura do Brasil 3, que foi lançado durante a Bienal do Livro de São Paulo, no último mês. A obra analisa a pesquisa de mesmo nome feita pelo Instituto Pró-Livro, sob organização da socióloga Zoara Failla.
Ela diz que a amostra de professores ouvidos em 2011 – apenas 145, entre cerca de 5.000 entrevistados de todo o Brasil – é pequena, mas o resultado surpreendeu. Apenas três docentes disseram que gostam de ler no tempo livre. Ao serem questionados sobre títulos preferidos, eles citaram os de autoajuda e religiosos.
O Brasil ainda não é um país de leitores. Cerca de 50% da população não lê, quantidade maior do que a verificada em 2007, quando 55% se diziam leitores. Mas é preciso considerar que houve algumas mudanças na forma de conduzir as entrevistas entre uma edição e outra do estudo. O que mais afasta os brasileiros da leitura não é o preço dos livros ou a dificuldade de acesso e, sim, a falta de interesse. Por isso, a atuação de bons “professores-leitores” é estratégica. “Se o professor for um bom ‘marketeiro’ dos livros, ele consegue despertar o interesse dos alunos”, diz Zoara Failla. Em entrevista a ÉPOCA, a pesquisadora fala sobre os hábitos de leitura de quem ensina e de quem aprende.
ÉPOCA – Qual é o perfil dos professores ouvidos na pesquisa?
Zoara Failla - É muito parecido com o dos demais entrevistados. A gente imaginava que, sendo educador, fosse haver um indicador melhor de leitura, de indicação de literatura, de clássicos, diferente da população como um todo. É uma amostra pequena, a gente não pode generalizar, mas é um indício. No seu tempo livre, eles preferem a televisão e as redes sociais.
ÉPOCA – O que afasta o professor da leitura?
Zoara - Temos problemas na formação desse professor. São as universidades. Quem está formando esse professor não está desenvolvendo esse interesse e apresentando a leitura não só como forma de atualização, mas como forma de lazer. Temos problemas também com tempo de trabalho. Muitos [professores] têm uma carga excessiva. Além disso, a maioria tem familiares de escolaridade não muito privilegiada. Há problemas de acesso. Boa parte das escolas tem bibliotecas, mas elas estão com acervos desatualizados, têm poucos livros. E, pelos salários baixos, os professores têm dificuldades para comprar obras.
ÉPOCA – O professor aparece na pesquisa como um dos maiores influenciadores do hábito da leitura dos brasileiros. Se ele não gosta de ler, como pode cativar os alunos?
Zoara – Isso é um dos principais problemas. A escola é um espaço privilegiado para formar leitores. Tanto que a gente percebe, pela pesquisa, que eles [os jovens] leem mais quando estão na escola. Depois que saem, deixam de ler porque não foram despertados para isso. Se o professor não é um leitor, não consegue transmitir esse prazer pela leitura e conquistar os alunos. Não tem repertório para indicar. Quando você tem uma conexão com os livros, consegue despertar emoções no outro. O bom leitor interpreta, fala sobre os personagens, cita frases e faz quase um marketing dos livros. Se o professor for um bom “marketeiro” dos livros, ele consegue atrair o interesse dos alunos.
ÉPOCA – É comum que a leitura nas escolas vire apenas uma atividade obrigatória. O professor tem que indicar obras clássicas que nem sempre são do gosto dos jovens. Como, então, despertá-los para a leitura por prazer?
Zoara – Sim, a leitura pode virar uma tarefa feita apenas para responder um questionário frio, que pergunta a escola literária, a época em que o autor viveu. Você massacra a obra de arte. Às vezes, o professor obriga uma leitura que não é adequada para uma faixa etária. Machado de Assis é maravilhoso, mas uma criança não vai ter condições de apreender aquele universo. Se você apresenta à garotada uma narrativa que tenha a ver com o momento dela, vai despertar interesse. É preciso dar opções de escolhas. Mesmo entre os clássicos, há várias possibilidades. Infelizmente, o ensino médio está preso também aos vestibulares. Mas você pode deixar o momento mais interessante, com contação de história daquele romance ou rodas de leitura. Você pode fazer integração com outras disciplinas, facilitando a leitura, na medida em que a contextualiza.
ÉPOCA – O que fazer para melhorar as taxas de leitura entre os professores?
Zoara – É preciso rever o currículo da formação dos professores nas universidades. Para os que saíram da escola, a alternativa é a formação continuada, cursos de especialização. É um grande desafio para os educadores pensar em como fazer com que pessoas adultas descubram os livros e o prazer de ler.
ÉPOCA – Muitos brasileiros dizem não gostar de ler. Isso pode estar relacionado a dificuldades de leitura?
Zoara – Avaliações internacionais, como o Pisa, mostram que cerca 30% dos brasileiros não têm compreensão leitora. Se não têm a possibilidade de compreender um pequeno texto, não vão gostar de livros. Primeiro, temos que resolver essa questão, que é essencial: o letramento. Segundo a pesquisa [do Instituto Pró-Livro], 50% dos brasileiros não são leitores, ou seja, não leram nenhum livro nos últimos três meses. Desses, 30% não são leitores porque a escola não os capacitou para a leitura. Portanto, temos 20% de brasileiros que dominam a leitura, mas não gostam de ler.
ÉPOCA – Por que mesmo crianças pequenas têm dito que não gostam de ler?
Zoara – A criança fica fascinada com contação de história, quer que repita a mesma história muitas vezes. Mas nós temos que desenvolver esse interesse. É preciso ler para criança, ler na frente dela, dar livros de presente. São formas de conquistá-la, de mostrar que a leitura tem valor. Será que alguém nasce gostando de futebol no Brasil? Gostam porque isso é valorizado.
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